Ilhados tratado sobre guris

9 tua calça! Dá vontade de chorar! Imagina se tu estivesses vestindo o teu blusão de banlon! As mães gostam de frases curtas, exclama- tivas, cuspidas umas em cima das outras, aos gritos. Mães existem mesmo para isso, para xingar a gente. Bem, mas a verdade é que não houve a crisma no segundo dia. Já no portão, na fila para a entrega das ca- dernetas, notei que os inspetores estavam muito diferentes do dia anterior. Se alguém fazia uma per- gunta, eles não xingavam nem berravam. Respondiam usando por favor e pois não . Aquilo me impressionou. Boa coisa não podia ser, pensei. Talvez aquela encenação fizesse parte da crisma, porque os inspetores eram cúmplices dos veteranos. Isso tinha ficado bem claro no dia anterior, quando eles não haviam impedido que os pequenos fossem jogados no laguinho. No salão, fiquei surpreso com o amontoamento. Todos os vetera- nos estavam por ali, compenetrados, sérios, falando baixo. Lá longe, por cima da cabeça deles, havia um pano roxo cobrindo uma das grandes janelas envidraçadas que davam para o pátio deserto. Fiquei curioso com aquilo, pensei em olhar mais de perto, mas desisti logo. Por nada no mundo ia me enfiar naquele mar de vetera- nos. Eu me ergui na ponta dos pés e pude ver um grande crucifixo de madeira escura pendurado no pano roxo. Em seguida, senti um cheiro forte de flores e de velas derretidas. Era como estar numa igreja na época da Páscoa. De repente, escutei o choro. Era um triste lamento de mulher, um pranto que corria sereno como um rio de planície, mas que de vez em quando se encrespava num grito. As mulheres choram como os bichos, sem pudor. Nos seus gritos elas mostram tudo o que os homens escondem com os seus silêncios: desespero, revolta e impotência. Eu estava pensando em furar a muralha dos veteranos, quando o padre apareceu. Magro e muito alto, todo vestido de negro, ele veio da frente da escola, ladeado por dois inspetores. Passou entre nós lançando olhares furtivos e raivosos, como se temesse uma piadinha naquele momento.