O livro dos sentidos

12 Haroldo, meu primo mais velho, só ouve a tal de música concreta, que parece barulho de motor misturado com sire- ne e disco andando de trás para diante. Tem gente que gosta de ópera. Tem gente que gosta de música caipira. Tem gente que prefere música tocada, sem ninguém cantando. Tem gente que liga o rádio e seja o que Deus quiser. Eu, o Biba, o Paulão, a Maria Célia, a Marta e o Tuca, a gente prefere mil vezes um rock heavy metal . Domingo cedo, quando todo mundo está dormindo e fica aquele silêncio, a gente pega e liga o aparelho de som no volume máximo. É gostoso. Dá arrepio. É tanta pauleira que até venta e a cachorrada lá fora uiva descabelada. É verdade que também existe barulho chato. Sirene é chata. Miado de gato à noite é chato. Ouvir bronca é pior ainda. Falar besteira às vezes pode dar bode. Vovó sempre diz: — Quem fala o que quer, ouve o que não quer. O mais gostoso mesmo é escutar história. Meu pai, é raro, mas, quando arranja tempo, gosta de contar na hora de dormir. Tem uma que ele conta sempre. Dois amigos viajando pelo mundo resolveram descansar na sombra de uma árvore. Um deles dormiu. O outro não. O que dormiu começou a roncar, virou de um lado, virou

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