Um Lugar cheio de ninguém

9 Neno prefere a parte de cima porque gosta da escalada diária para se aconchegar no macio de seu travesseiro de paina e do cobertor. Lá do alto, ele se imagina numa torre, num mirante. Ao caçula Denis, coitado, resta o porão, abafado e sem graça. Logo que o narrador se despede, desejando, ironica- mente, aos ouvintes “Boa noite!”, seguido da gargalhada cavernosa de sempre, o capitãogira obotãode volume e, finalmente, desliga os “motores do barco”. Os pequenos vão pra cama, e ele tambémse recolhe. São 22 horas na cidade de Vitória. Daqui a pou- co será o primeiro dia do mês de agosto –– de ventos e papagaios –– do ano de 1957. Faltam dez dias para o aniversário deNeno. Ele fará nove anos e se agarra a esse pensamento tentando se livrar das imagens que a “Hora do Terror” deixou por trás dos seus olhos. Ainda que ele os feche, láestãoelas, grudadas comoaquelesdecalques, nas primeiras páginas dos cadernos de escola. “Parece que o Alex e o Denis já dormiram. Será que o medo deles é menor que o meu? Será? Parece que sim... nove anos... aniversário...”Ninguémsabe onde fica a por- ta que atravessamos para adormecer e sonhar. Ou seria uma ponte? De um lado estamos acordados; do outro, dormimos e sonhamos. Certo é que Neno, como num passe de mágica, atravessou a porta, ou a ponte, e dor- miu profundamente.

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